sexta-feira, 20 de março de 2009

Adeus



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

2 comentários:

claras manhãs disse...

Este poema, sempre que o leio, angustia-me
Talvez por este adeus fazer pensar que foi dito, depois de uma vida inteira ao lado de quem já nada diz.
e fico a penas 'uma vida inteira...?!'
Doi

beijinho

AGRIDOCE disse...

CLARAS MANHÃS,

É isso. Angustiante.

Também me angustio um pouco, quando o leio, mas achei que a minha página merecia outravez um poema de Eugénio de Andrade. E pensei que aquela "maravilhosa foto" de ave, em jeito de acenar um "bye-bye" com as asas, também ficava bem com o poema.

Quanto ao poema, gosto (claro, se o deixei cá!), mas acho que a palavra "amor" está a ser utilizada em vez de "paixão", daquele sentimento que esmorece ou se acaba no primeiro obstáculo que aparece, nas primeiras rugas que se formam no outro, nas primeiras peles que se lhe começam a pendurar, na menor falha cometida, enfim... aquilo que leva a paixão, mas nunca o amor ou, como se dirá mais em geral, o amor verdadeiro, como se fosse possível existir outro que não o verdadeiro.

Uma boa semana para ti.

Bjs.